Como a recessão americana pode afetar profundamente a indústria global da moda

Nos últimos anos, a indústria da moda global enfrentou diversos desafios—da pandemia à crise das cadeias de suprimentos—mas poucos fatores têm o potencial de impacto tão grande quanto uma recessão econômica nos Estados Unidos. Com economistas projetando uma probabilidade crescente de recessão em mercados importantes como EUA, Canadá e México, é hora de refletirmos sobre as possíveis consequências desse cenário para o setor da moda.

A economia americana é um motor essencial para o mercado global de moda. Atualmente, os Estados Unidos representam cerca de 24% do mercado mundial de vestuário, movimentando bilhões de dólares anualmente. Não é surpresa, portanto, que qualquer desaceleração econômica nesse país cause efeitos imediatos em diversas marcas internacionais. O cenário atual é preocupante: segundo Bruce Kasman, economista-chefe do JP Morgan, a possibilidade de uma recessão americana aumentou significativamente, chegando a 40% em comparação aos 30% previstos anteriormente. Com essa notícia, é crucial que profissionais da moda se preparem para um possível cenário adverso.

 

O impacto direto das tarifas e aumento de custos

Um dos gatilhos desse cenário de incertezas foi a aplicação das tarifas comerciais pela administração norte-americana em bens importados, especialmente da China. Essas tarifas elevam diretamente os custos para marcas americanas que produzem no exterior—um caso emblemático é o da Victoria's Secret, que declarou que a recente tarifação adicional de 10% sobre produtos chineses pode reduzir seu lucro operacional em até US$ 20 milhões em um único ano.

Embora algumas empresas possam tentar absorver esses custos sem repassá-los diretamente aos consumidores, tal medida impacta as margens e pode forçar marcas a desacelerarem investimentos em marketing, inovação e expansão. Na prática, uma desaceleração econômica implica menos empregos, menor confiança do consumidor e uma redução significativa no gasto com itens considerados não essenciais, como moda e acessórios.

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O efeito cascata global

A indústria da moda globalizada não será afetada apenas nos Estados Unidos. Marcas europeias, asiáticas e latino-americanas, que possuem forte presença ou grandes planos de expansão no mercado norte-americano, também sofrerão consequências diretas e indiretas. Empresas como Uniqlo e Zara, por exemplo, vêm investindo significativamente no mercado norte-americano nos últimos anos. Em uma recessão, suas vendas seriam impactadas diretamente, afetando suas estratégias globais e podendo frear investimentos em outros mercados emergentes.

Além disso, o contágio financeiro provocado por uma recessão nos Estados Unidos tem o potencial de desacelerar a economia global como um todo, impactando a confiança e o consumo também em regiões distantes. Isso poderia, por exemplo, prejudicar marcas de luxo europeias, que recentemente aumentaram investimentos em grandes lojas físicas nos EUA para atrair consumidores de alto poder aquisitivo.

Segmento de luxo: um risco ampliado

No segmento de luxo, a situação é ainda mais complexa. Consumidores ultrarricos podem até resistir ao impacto de uma recessão, como indica o aumento recente da participação de mercado de marcas como Hermès e Chanel. No entanto, compradores aspiracionais, que são a maioria no mercado de luxo acessível, tendem a cortar gastos diante de uma recessão, como vimos recentemente com a queda de participação de mercado da Gucci. Assim, uma desaceleração nos Estados Unidos poderia intensificar essa divisão, beneficiando marcas ultraexclusivas e prejudicando aquelas que dependem de uma classe média alta.

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Como se preparar?

Para empresas do setor de moda, uma recessão não é apenas um cenário distante, mas algo a se preparar proativamente. A história recente ensinou a indústria a ser mais resiliente e ágil. Empresas que aprenderam a reagir rapidamente durante a pandemia certamente estarão melhor preparadas agora. Estratégias como diversificação geográfica, investimentos em digitalização e cadeias de suprimentos mais curtas e responsivas são essenciais para enfrentar os desafios que vêm pela frente.

Além disso, marcas que conseguem se conectar profundamente com seu público, oferecendo produtos com claro valor agregado, terão mais chances de sobreviver a uma recessão. Shein é um exemplo claro disso: ao oferecer preços muito acessíveis, conseguiu crescer mesmo em cenários de incerteza econômica.

Conclusão: agilidade será decisiva

A iminência de uma recessão nos EUA apresenta riscos sérios para a indústria da moda, mas também cria oportunidades para que as marcas demonstrem sua capacidade de adaptação e resiliência. Profissionais de moda, especialmente das áreas de gestão, marketing e planejamento, precisam ter clareza quanto aos riscos potenciais e, mais do que nunca, agir de forma estratégica e assertiva.

A recessão não é um fato inevitável, mas a possibilidade é alta. E no cenário atual, a moda global precisará demonstrar flexibilidade e inovação para resistir e, quem sabe, emergir ainda mais forte após essa tempestade. O mercado não será mais o mesmo, e a maneira como as marcas reagirão a essa nova realidade definirá o futuro do setor nos próximos anos.

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